Finados - Dia dos Vivos
Richard
Simonetti
Antigas
culturas orientais pranteavam o nascimento e festejavam a morte, partindo de
dois princípios:
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Nascer
é iniciar uma jornada de dores e atribulações, enfrentando longo degredo neste
vale de lágrimas.
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Morrer
é desvencilhar-se das amarras e ganhar a amplidão.
*
São
perfeitamente compatíveis com a Doutrina Espírita, que nos fala da reencarnação
como uma experiência difícil, complicada, mas necessária, no estágio de
evolução em que nos encontramos.
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É,
digamos, uma materialização a longo prazo, uma armadura de carne que vestimos,
a limitar nossas percepções.
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Ligação
tão íntima, tão entranhada, que o corpo passa a integrar nossa alma, como um
apêndice, colocando-nos em contato com vicissitudes como a dor, o desajuste, a
doença, a senilidade, próprios dos seres biológicos, a se acentuarem na medida
em que se desgastam suas células.
*
Por
outro lado, o esquecimento das experiências anteriores gera boa dose de
insegurança.
O reencarnante situa-se perdido no presente, a caminhar para o
futuro sem o referencial do passado.
*
E
há, ainda, o contato com pessoas e situações que dizem respeito ao pretérito,
envolvendo afetos e desafetos.
Estará às voltas com sentimentos gratuitos e
contraditórios de simpatia e antipatia, afeto e desafeto, amor e ódio,
envolvendo gente de seu relacionamento, particularmente os familiares.
*
Isso
tudo é necessário, uma contingência evolutiva.
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A
carne é a lixa grossa que desbasta nossas imperfeições mais grosseiras.
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O
esquecimento do passado é a bênção do recomeço, a fim de que possamos superar
paixões e fixações que precipitaram nossos fracassos no pretérito.
*
A
convivência com afetos e desafetos de vidas anteriores é a oportunidade de
consolidar afeições e desfazer aversões.
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Mas…
enfrentar tudo isso em estado de amnésia, sem a mínima noção do por que dessas experiências!… Barra
pesada!
*
A
literatura psíquica nos dá notícia das angústias do Espírito, quando se prepara
para o mergulho na carne, considerando suas próprias limitações e as
dificuldades inerentes à jornada humana.
*
Em
O Livro dos Espíritos, há a questão 341:
Pergunta
Kardec:
Na
incerteza em que se vê, quanto às eventualidades do seu triunfo nas provas que
vai suportar na vida, tem o Espírito uma causa de ansiedade antes da sua
encarnação?
Responde
o mentor:
De
ansiedade bem grande, pois que as provas da sua existência o retardarão ou
farão avançar, conforme as suporte.
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No
livro Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier, André Luiz reporta-se
à ansiedade de Laura, nobre senhora que se preparava para reencarnar.
Não
obstante seus incontáveis méritos, encarava com apreensão o mergulho na carne.
E
comenta com o Ministro Genésio, um benfeitor espiritual:
–
Tenho solicitado o socorro espiritual de todos os companheiros, a fim de
manter-me vigilante nas lições aqui recebidas. Bem sei que a Terra está cheia
da grandeza divina.
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Basta
recordar que o nosso Sol é o mesmo que alimenta os homens; no entanto, meu caro
Ministro, tenho receio daquele olvido temporário em que nos precipitamos.
Sinto-me qual enferma que se curou de numerosas feridas… Em verdade, as úlceras
não mais me apoquentam, mas conservo as cicatrizes.
*
Bastaria
um leve arranhão, para voltar à enfermidade.
*
Laura
reporta-se àquele que talvez seja o maior problema do Espírito reencarnado – a
reincidência. Tornar
aos mesmos enganos do passado.
*
Nas
reuniões mediúnicas é comum o contato com Espíritos que simplesmente refugam as
oportunidades de reencarnar, alegando que estão muito bem e não se sentem
dispostos a enfrentar o mergulho nas incertezas da carne.
*
Embora
tenham que fazê-lo, mais cedo ou mais tarde, resistem o quanto podem.
*
Em
face disso tudo, amigo leitor, podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que
reencarnar é complicado.
*
Já
desencarnar é o alijar da armadura, a retomada das percepções, o reencontro com
os afetos caros.
*
É
o retorno à amplidão, uma celebração da Vida em plenitude, sem as limitações
humanas.
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Se
desencarnarmos levando um mínimo de vitórias, na luta contra
nossas imperfeições, se algo fizemos em favor do bem comum,
combatendo o egoísmo; se aprendemos a conjugar os verbos amar, perdoar,
compreender, na vivência do Evangelho, então seremos muito bem amparados, e nos
situaremos felizes como o viajor que finalmente retorna ao lar.
*
Estavam
certas as antigas culturas orientais.
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Quem
sabe, um dia, quando essa realidade for melhor assimilada pela Humanidade,
haveremos de mudar as comemorações do dois de novembro.
*
Não
mais o dia dos mortos.
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Mais
apropriadamente, o dia dos vivos.
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FONTE
SIMONETTI, Richard. Revista "Reformador" - Ano 121 - nº 2.096 -
Novembro de 2006. Disponível em
<http://gema-rj.org/artigos/ga_01_11_06.htm> Acesso: 1 NOV 2024.