quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Parábola dos Potes de Barro - Alexandre Rangel





Parábola dos Potes de Barro



Havia dois grandes e belos potes de barro que conversavam entre si no canto de um quintal:


- Ah..., que tédio, que vida!


Viver aqui, exposto a tudo, sol, vento, chuva, calor...


Por mais que eu me proteja, como sobreviverei? 


Aqui estou perfeitamente tampado, lacrado para proteger-me e ainda assim sinto-me ameaçado, vazio.


Não vejo graça em estar aqui...


O outro pote tranquilamente respondeu:


- Cai a chuva e eu a recebo.


Vem o vento e eu o sinto bem dentro de mim.


Vem o sol e me leva as gotas que retornam para o céu.


E nem por isso sinto-me ameaçado...


- Ora, grande vantagem!

Seu interior não guarda mais a cor original como o meu, sua cor vai ficando cada dia mais diferente.


Você não é mais o mesmo...


- Sim (respondeu o outro) e isso me alegra!


Meu interior transforma-se a cada dia, à medida que novas coisas me penetram.


Posso sentir cada criatura que me visita e cada uma delas deixa algo de si para mim, assim como deixo para elas, pouco a pouco, a minha cor.


- É, mas você não tem mais paz!


A todo instante você é solicitado, carregam você todo o dia para levar água, ao passo que eu permaneço no meu lugar.


Ninguém me incomoda.


Quando se aproximam, já sei que é a você que eles querem.


- Sim, se me solicitam é porque tenho algo a dar, e o que dôo não é diferente do que você pode dar.


Deixo-me encher pela água da chuva, que cai tanto sobre mim como sobre você.


Encho-me até transbordar.


Outros seres precisam desta água e eu os sirvo.


Esvazio-me e deixo-me encher de novo.



Assim minha vida é um constante dar e receber.


Enquanto isso me desinstalo, saio do meu pequeno mundo e vou ao encontro de outros mundos.


Já conheci potes diversos, animais, pessoas, tantas coisas e seres...


E cada um faz-me perceber ainda mais o pote que sou.


- Não sei, mas se você continuar assim, brevemente será um pote quebrado, gasto, e então, de que adiantará tudo isto?


- Creio que se me desgasto a cada dia é para ser possível levar a vida a outros seres.


Vejo que o mais importante não é ser um pote intacto tal como fui feito, mas um pote de valor no qual estou me tornando.


Se vou durar pouco tempo, não importa;


se o pouco tempo  em que eu viver me trouxer alegrias e me fizer sentir cada vez mais o que é ser pote, isso me basta...


Já era tarde, o sol já havia se escondido quando os dois se cansaram de falar.


O pote aberto, sentindo-se cansado, logo adormeceu, o que não foi possível para o outro pote.


Ele não conseguira dormir, pois algumas palavras ditas pelo companheiro vinham-lhe à mente e não o deixavam em paz.


Transformar o interior!


Paz!


Esvaziar-se!


Deixar-se encher!


Deixar algo de si!


Ser pote!


Desinstalar-se!


Sair de seu pequeno mundo!


Ser feliz!


Ser útil!


Levar alegria!


Humildade!


Paciência!


Mansidão!


* * *


Na manhã seguinte, enquanto um pote acordava, o outro dormia, porque fora grande o seu esforço para tirar a tampa que o acompanhava há tanto tempo.       





RANGEL, Alexandre. Do Livro “As mais belas Parábolas de todos os tempos”.

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